sábado, 24 de março de 2012

Daltonismo psicológico e a morte lenta

  Não, eu não fugi.

  Maurício, se olhasse para mim talvez pudesse perceber que ainda estou aqui. De corpo, alma, coração, conectada a você, ainda que não faça o menor sentido. Eu poderia ter partido, não é? Eu deveria ter ido, não deveria? Então, céus, por que ainda estou aqui? [...]

  Há algo em você, algo em teus olhos esverdeados que me segura por aqui, ainda que eu saiba que são, na verdade, azul. Não sei se são as cores ou a intensidade desse olhar, mas há algo em ti que me força a fincar os pés no carpete e agarrar os cabelos para não gritar. Se eu gritasse, arrancaria de mim todas as dores, e nós sabemos que são as dores que nos mantém juntos. São os medos, os choros, as facadas. 

  E mesmo quando te vejo levantando à cozinha e agarrando aquela velha faca afiada para fincá-la em meu umbigo novamente, ainda assim não consigo ir embora. Não posso, não consigo fugir.

  Não irei alugar algum. Não somos dois, Maurício, somos apenas um. Somos um só, unidos, mesmo que seja pelo fio de uma faca. Há algo em nossos olhos, na cor deles, que nos mantém juntos, como um. Somos doloridos, infelizes, machucados. Mas ainda estamos juntos. Eu ainda estou aqui... Maurício, se olhasse para mim saberia disso. Mesmo que eu tente direcionar meus olhares para onde os teus se direcionam, não te encontro. Ando procurando tua alma, meu amor, mas será que ela está realmente perdida?

  E se não estivermos realmente perdidos, machucados, com a alma ferida? E se for o restante do mundo que nos vê assim? E se o restante do mundo é que está errado?

  Maurício... eu ainda estou aqui. Meus cabelos entre meus dedos, a boca serrada e os dentes dilacerando meus lábios por dentro para que nenhum grito saia de mim. Se perder minhas dores significar que perderei a ti, prefiro continuar assim. Prefiro morrer um tanto a cada dia e saber que você me ressuscita. Saber que nós somos cura um para o outro, mesmo que não a tenhamos descoberto ainda.

  Eu ainda estou aqui.