quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Às vezes eu sinto sua falta



  Não esqueça que eu me atiro, como num silêncio dos inocentes que continuam a caminhar em direção à sentença sem deixar sair um único som dos lábios rachados de injustiçados perdedores. Eu me atiro dos penhascos e não espero que me segurem; se quiser agarrar minha cintura uma última vez e pular comigo, não há importância. Só o faça.
  Eu me acostumei a apoiar os cotovelos na porta do carro, contra o vidro gelado que memoriza a chuva caindo lá fora. Acabei por marcar a pele dessa maneira vil de me assegurar de que não caia do movimento, e embacei a janela com o respirar cheirando a refresco de cereja. Eu queria, veja bem: não sei se devo, mas queria, e queria apenas, que as botas enlameadas encontrassem as tuas nesse fim de mundo enlagado; faz frio. Imaginar que os céus choram é depressão demais? Sinto-me só; continuo no carro.
  Não sei o que ando fazendo nesses dias, se escrever tornou-se um frenesi do estilo efeito borboleta, mas esqueço-me tão facilmente de tudo que meu coração nem sabe mais o que é bater; tive dois infartos semana passada. Mas nunca pense, nem chegue a pensar, veja bem: nem cogite a ideia, e não sei bem porquê insisto nisso, mas nem pense em mim. Salve-se. Que frio! Estamos caminhando, como mariposas atrás de uma luz que não existe, batendo em cada vidro que resolve acender uma vela, quente demais para nossos corpos ansiosos pela chuva. Eu quis partir, fugir, correr. Abandonei o pensamento. As botas enlameadas foram deixadas na entrada da casa, sujando o tapete branco. Não pense.
  Se for tarde demais, se por algum pequenino acaso fugimos para o lugar errado, se nos encontrarmos na esquina errada, vire as costas. Sei que você também gosta da chuva, mas por favor, por favor, por favor, por favor, por favor, implore pelo sol comigo. Façamos um mantra; faça seu coração parar como o meu. Não sonho, não penso, pense comigo: seria a primeira vez. Acho que farei um chá. Você gosta de chá, não é? Misturei todos os sabores da última vez, senti uma dor no peito tão forte que queria mais era desmaiar para fazê-la passar. Como no silêncio dos inocentes. É verão. E eu estou só.
  Às vezes eu sinto sua falta. Normalmente quando a chuva pára e o sol reaparece. Dói. Eu estava só, só, só. Mas, amor, às vezes eu sinto sua falta. Eu gosto de dançar sozinha. Não havia reconhecimento nos olhos de ninguém; nem no espelho. É verão. E eu estou só.
  Às vezes eu sinto sua falta.
  Fui recepcionada pelas borboletas do jardim morto; não me condene, deixei de cuidá-lo. Passei uma semana em uma biblioteca empoeirada esperando que alguém me buscasse, mas estou só. Odeio “adeus”; tchau. Ah, mas os olhares. Voltou a chover. Por favor, por favor, por favor, por favor. Estou só com as repetições, não é? Às vezes eu sinto sua falta.
  Não esqueça que eu me atiro. Não pude segurar o amor.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Acabou o "por enquanto" e virou "para sempre"

"Você me deu esperança. O que fiz por você foi nada."
    Ela, porém, olhando-o no fundo dos olhos, sorriu. "Você me deu liberdade."
Beijaram-se. Valeu por uma vida inteira.

domingo, 2 de setembro de 2012

Ao moço que não gostava de dormir,


    esta carta.
Fugi depois daquela quarta-feira, pois o meio da semana sempre se tornava maçante para mim. Percebo agora que existiam alguns quês e porquês e comos em mim que mesmo que pudesse eu saber o que eram, nunca resolveriam-se sozinhos. Por isso as fugas em que me metia acabavam sempre em leite com achocolatado, bem fraquinho, apenas uma corzinha dentro da xícara, para me aliviar da quinta-feira que viria e traria a mim novos quês e porquês e, desta vez, alguns quais também. Quinta-feira era o meu dia favorito porque o sol era mais bonito nas quintas, mais quente nas sextas e maior nos sábados, para então nos domingos simplesmente sumir. Eram nos domingos que nos encontrávamos, lembra-se?
  Encontrei-me com Verônica na última quarta, e lembrei-me de que ela também não era a maior fã dessa coisa de Beatles songs e Mick Jagger rebolando em palcos, o negócio da menina era Jazz. Me convidou pra ouvir um disco da Norah Jones na casa dela, e em resposta apenas sorri e neguei com a cabeça, você acha que deveria ter ido? Por certo seria legal, Verônica era uma menina com a cabeça firmada, sempre voando um pouco, entretanto. Sempre pedindo que a gente se levantasse quando passasse um casal, era um ritual para que o relacionamento dos dois desse certo. Assustamos um ou dois quando sentadas naquela cafeteria e ela acabou por derramar o chá de menta na própria saia, rindo histericamente e dizendo que isso era coisa que a Amy Winehouse faria. “Quem?” eu perguntei, apenas para fazer a moça rir ainda mais.
  Na última sexta, saí. Saí para respirar um pouco, sacudir um pouco o pó das roupas boas, sabe como é. Também não tenho dormido, não que isso importe alguma coisa. Acho que sempre tive tudo isso dentro de mim, insônia, só não praticava. Assisti aquele documentário que você me recomendou, porém não vi graça alguma. Os efeitos eram ruins e a fita parou na metade, riscando e fazendo uns sons estranhos. Não gosto de coisa velha, essa coisa de querer me enfiar goela abaixo os discos da Norah e fitas cassetes, essa coisa é tudo muito século 20. Ah, falando nisso, encontrei Guinevere semana passada. Disse que resolveu mudar o nome pois agora está vivendo em Paris. A pobre coitada acha que mudou o nome para francês, mas o original parecia muito mais do que o de agora, mas que é que ela sabe? Que é que eu sei mesmo? Ah, sim, eu sei cozinhar. Tive que jogar fora aquele pedaço de torta que te guardei, fiquei esperando o quanto pude, mas as tortas tem prazo de validade e aquele ali já estava passado. Passada fiquei eu ao receber tuas mensagens, cartas, cartões postais.
    Fazia séculos que eu não abria a caixa de correio. Que susto!
  Mas ah, meu moço, já é novamente quarta-feira. Passou-se toda a semana e chegamos novamente na metade, uma metade mal calculada, metade estranha, fora do normal, uma metade assimétrica, a-romântica, a-tudo. Semi certa, porém. Mentiras mal-contadas e verdades pela metade também. Mas você me escreveu, moço, me escreveu. Carrego essa carta por aí dentro do bolso do casaco mais caro, pois penso que se me roubarem pelo casaco, poderão também roubar um pedacinho do coração que deixei por ali, ainda batendo, em carne-viva. Fazer algum bem para a humanidade, sabe como é. Mas é quarta-feira, e pelos céus, todos sabem que amo as quintas.
    Quem sabe o amanhã chegue e eu lhe apareça na porta, com um pedacinho da torta que você assim tanto queria, um sorriso no rosto e uma timidez no olhar, o pedido de ‘me aceita’ quem sabe literalmente escrito na testa. O quem sabe, meu moço, demora para fazer sentido, quem sabe o quem sabe o faça algum dia, mas a generalidade dessa carta deverá ficar para outro dia. O forno novo que comprei acabou de fazer o seu bing! para avisar-me de que a primeira camada do pão-de-ló está pronta. Não reclame, todos sabem o quanto uma torta demora para ser feita. E é quarta-feira. Hoje é dia de fugir.
  Esquece de mim não. Lembre-se do 'quem sabe'. 
    Sempre sua,
Hannah Schröer