Não esqueça que eu me atiro, como num silêncio dos inocentes que continuam a caminhar em direção à sentença sem deixar sair um único som dos lábios rachados de injustiçados perdedores. Eu me atiro dos penhascos e não espero que me segurem; se quiser agarrar minha cintura uma última vez e pular comigo, não há importância. Só o faça.
Eu me acostumei a apoiar os cotovelos na porta do carro, contra o vidro gelado que memoriza a chuva caindo lá fora. Acabei por marcar a pele dessa maneira vil de me assegurar de que não caia do movimento, e embacei a janela com o respirar cheirando a refresco de cereja. Eu queria, veja bem: não sei se devo, mas queria, e queria apenas, que as botas enlameadas encontrassem as tuas nesse fim de mundo enlagado; faz frio. Imaginar que os céus choram é depressão demais? Sinto-me só; continuo no carro.
Não sei o que ando fazendo nesses dias, se escrever tornou-se um frenesi do estilo efeito borboleta, mas esqueço-me tão facilmente de tudo que meu coração nem sabe mais o que é bater; tive dois infartos semana passada. Mas nunca pense, nem chegue a pensar, veja bem: nem cogite a ideia, e não sei bem porquê insisto nisso, mas nem pense em mim. Salve-se. Que frio! Estamos caminhando, como mariposas atrás de uma luz que não existe, batendo em cada vidro que resolve acender uma vela, quente demais para nossos corpos ansiosos pela chuva. Eu quis partir, fugir, correr. Abandonei o pensamento. As botas enlameadas foram deixadas na entrada da casa, sujando o tapete branco. Não pense.
Se for tarde demais, se por algum pequenino acaso fugimos para o lugar errado, se nos encontrarmos na esquina errada, vire as costas. Sei que você também gosta da chuva, mas por favor, por favor, por favor, por favor, por favor, implore pelo sol comigo. Façamos um mantra; faça seu coração parar como o meu. Não sonho, não penso, pense comigo: seria a primeira vez. Acho que farei um chá. Você gosta de chá, não é? Misturei todos os sabores da última vez, senti uma dor no peito tão forte que queria mais era desmaiar para fazê-la passar. Como no silêncio dos inocentes. É verão. E eu estou só.
Às vezes eu sinto sua falta. Normalmente quando a chuva pára e o sol reaparece. Dói. Eu estava só, só, só. Mas, amor, às vezes eu sinto sua falta. Eu gosto de dançar sozinha. Não havia reconhecimento nos olhos de ninguém; nem no espelho. É verão. E eu estou só.
Às vezes eu sinto sua falta.
Fui recepcionada pelas borboletas do jardim morto; não me condene, deixei de cuidá-lo. Passei uma semana em uma biblioteca empoeirada esperando que alguém me buscasse, mas estou só. Odeio “adeus”; tchau. Ah, mas os olhares. Voltou a chover. Por favor, por favor, por favor, por favor. Estou só com as repetições, não é? Às vezes eu sinto sua falta.
Não esqueça que eu me atiro. Não pude segurar o amor.