terça-feira, 10 de setembro de 2013

Caro desconhecido,

Acho impertinente perguntar a uma moça sua idade, mas visto que não me perguntaste nada, tenho vinte e sete anos de idade. Sou de estatura mediana, embora isso pouco importe para ti, imagino. Esta carta? Não sei. Acho que uma carta para pedir perdão, para chorar. Uma carta para dizer adeus.

Tenho vontade de me tirar a vida. Sei que é errado: não devo arrancar algo que não é meu, deixar para Deus escolher a hora, mas não posso mais aguentar. Estou doente! Sinto dor no coração, já sentiste algo assim? Chamam-na de depressão, e ninguém me entende. Dizem por aí que não me ajudo, é o que ouço sussurrarem com as portas entreabertas enquanto me escondo debaixo dos cobertores em meu quarto escuro. Sou solteira, solteirona. Quiseram-me casar aos vinte e cinco, já tarde, mas não quis. Era um rapaz desinteressante, com olhos acinzentados tristes e uma expressão de quem colocava as esperanças de fazê-lo feliz todas em mim, depositadas em minhas costas. Ora! Não posso nem ao menos fazer a mim mesma feliz, que dirá a ele. Neguei, por certo. Chamaram-me louca. Não ligo. Estou doente, já disse? Doente! Cansei de esconder. Reprovam-me, não me compreendem. Não ligo, já disse?

Não quero tirar minha vida, não tenho coragem. Mas que esperanças tenho eu? Não quero algo tão banal como o amor, tão simplório. Quero algo que me tire o fôlego, que me arranque o respirar. Quero ser a inspiração para uma tela colorida, assim como Picasso possuía suas diversas musas. Quero ser linda para alguém, ainda que feia. Por isso me sinto assim, tão desanimada com a vida. Caminho por essas ruas, vou ao Porto, dobro as esquinas e sento aos cafés, mas nada me faz sorrir. Dizem que é por isso, porque me sinto só. Mas me diga, meu caro desconhecido, existirá alguém por esse mundo afora que não se sinta assim, tão terrivelmente só? Não posso crer em tal blasfêmia. Encontro milhares de olhares em um mesmo dia, e são poucos aqueles que carregam uma luz, um brilho especial. Quase me dão esperanças de não fazer nenhuma estupidez, porém quando chego em casa e passo pelos jardins de entrada, sentindo o cheiro dos jasmins que eu mesma plantei, e quando abro a porta e quando encontro minha mãe e meu pai sentados em frente à lareira, minha mãe lendo um livro qualquer e meu pai lendo seu jornal de sempre, encontro os mesmos olhos acinzentados do rapaz que queria que eu o fizesse feliz. Olhares desesperados. Tenho certeza que se pudessem, fariam qualquer coisa para sentir-se feliz. E é isso que me tira novamente as esperanças. Eles encontraram o amor uma vez, mas isso não os fez felizes. Acomodaram-se, acostumados. Sinto saudades do som do riso da minha mãe, das piadas do meu pai. Male mal levantam seus olhos de suas leituras para saudar-me em casa. Sei que sou um peso.

É por isso que escrevo. Porque me abstenho de ficar em casa e vou ao Porto, escrever. Já lhe escrevi diversas cartas, mas nunca sei o que fazer com elas. Acabo as guardando debaixo de meu travesseiro, relendo-as horas depois. Me fazem chorar muito. É por isso que esta carta eu jogo no mar, dentro de uma garrafa. Não sei bem qual a percentagem de chance de alguém a encontrar - de você a encontrar! - mas é nessa esperança que preciso me agarrar. Pois se não for por ela, minha vida chegará ao fim cedo demais. Chegará ao fim sem nenhuma reviravolta emocionante, como acontece em todos os livros que gosto de ler. Se estou no clímax, deposito em você - perdoe-me por isso - o desfecho da história da minha vida. Quer chegue esta carta ou não, quer me responda ou não, tenho a plena certeza que minha vida nunca mais será a mesma. Mando-lhe uma foto, não por desejar que veja meu horrendo rosto, mas porque gosto de saber a feição de alguém quando com este falo. Ora, por que para ti seria diferente? Escreva-me, por favor. Escreva-me. 

Agradeço-lhe por trazer-me esperança. Obrigada,

Léia Horne

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