quinta-feira, 7 de março de 2013

Era 1912



O jovem rapaz virou mais uma dose de um líquido forte e mal-cheiroso que o garçom lhe servia de bom grado, talvez em seus olhos a luz de uma pequena preocupação de que não recebesse tudo que devia, embora Sean não fosse do tipo que fugia deixando para trás uma conta não-paga. Ele sabia bem como era viver com menos dinheiro do que deveria ganhar e uma quantia ainda menor do que sobreviveria com. Seu pequeno apartamento adormecia em sujeira que não tinha tempo para limpar e que mulher nenhuma o faria, não sem um bom pagamento antecipado. Sua reputação de abusador do belo sotaque irlandês que possuía já se espalhara e ele acostumou-se em passar o menor tempo possível no lugar que chamava de casa.

Apontou para o copo vazio, levantando uma sobrancelha castanha em seu rosto belo de barba mal-feita, coçando levemente a orelha esquerda. Podia ouvir ao fundo O.D.J.B tocando e uma moça pequena de cabelos louros sentada no outro lado do bar, com seu vestido azul marinho, de olhos de igual cor. Ela batucava os dedos contra o balcão, como que a espera de alguém que se aproximasse para lhe tirar para dançar. Sean estava embriagado e tonto, sem capacidade para soar qualquer palavra coerente.

"Quem é ela?" perguntou ao garçom que lhe atendia, um moço de olhos verdes penetrantes que não parecia muito feliz por ainda estar por ali. Talvez pertencesse à uma família, à uma mulher. Tolo, pensou Sean. Apenas os tolos faziam algo assim.

"Rose McAuliffe. Vem aqui todas as noites," respondeu o rapaz dos olhos verdes, sem parecer preocupado o bastante para esconder qualquer que fosse o segredo que trazia uma moça para estar sozinha, sentada a um bar, em uma data tão imprevista quanto 1912. A música era o Jazz, a bebida era o gim, o coração batia forte contra as costelas. "Surpreso por ver uma moça em um lugar como esse?"

"Aye," respondeu o europeu, sorrindo levemente. Sim, surpreso. Uma atrocidade assim poderia apenas significar uma coisa: facilidade para adentrar um rabo de saia e dar-se bem com a limpeza do chão de sua casa. O pó acumulava-se mais fácil do que deveria. E a solidão de estar longe de casa poderia diminuir levemente com uma respiração quente ao seu lado na cama pequena de um solteiro no século XX. Ah, que dolorosa experiência essa de fugir de casa, mas quão bem sentia-se ao revelar-se útil em um ataque naval ou aéreo, embora não fosse militar. A América precisava de todos, convenhamos. Sean sabia disso. Seu espírito livre e nômade ainda lhe renderia alguma coisa.

"Que é que poderia trazê-la aqui? Não é uma prostituta, é?" o moço perguntou, sem crer na resposta que viria a seguir, antes mesmo que chegasse aos lábios do garçom.

"É uma comissária de bordo."

Ah, quão simples eram estas respostas e que alívio lhe traziam ao coração. "Trens ou navios?" perguntou, um sorriso brincando nos lábios.

"Que importa?" riu o garçom. Sean deu de ombros. Lhe parecia tão óbvio quanto uma conta de séries primárias. Acabou por rir em conjunto com o moço dos olhos verdes, erguendo uma sobrancelha.

"Não quero procurar por todos os navios lá fora para então descobrir que ela é comissária de bordo em trens," o irlandês riu mais uma vez, seu sotaque então se intensificando. "Seria uma perda de tempo sem tamanho!"

O garçom, cujo nome ainda era uma incógnita para o jovem embriagado que mal e mal sabia seu próprio nome, que dirá perceber que conversar com alguém sem saber como lhe chamar, era no mínimo desrespeitoso, ainda que o bar de quinta classe não fosse o tipo de lugar que demanda esse tipo de tratamento; Sean fôra ensinado corretamente a nunca falar com estranhos, a não beber exageradamente, a não arranjar para si moças duvidosas, rebeldes, ultrajantes. Porém, é claro, Sean O'Malley não era exatamente o tipo de rapaz que seguia regras. Pois bem, o pobre garçom, cansado, de olhos verdes sobrecarregados, puxou de dentro de seu bolso da calça, um pequeno pedaço de papel com pequenos furinhos em todo seu contorno.

"Vamos, pegue," disse. Apenas então Sean percebeu que o moço parecia com alguém que ele já conhecera alguma vez, mas sua feição familiar não ajudava se seus olhos já estavam começando a ficar embaçados. "Alguém que nunca mais voltou deixou o tiquet aqui. É seu."

Apertando os olhos com força, Sean tomou para si o tiquet, tentando, em vão, ler o que dizia.

"Qual o navio?"

O garçom sorriu.

"Titanic."

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